quarta-feira, 13 de julho de 2011

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As horas se passaram ali com uma dificuldade tremenda, o dia chegou iluminando o local e era possível localizar algumas pétalas no chão indicando que já era hora do enterro. Ninguém havia feito nenhum discurso, ou exposto alguma memória. Nem mesmo o fiel Yosho que serviu a família real teve a coragem de tomar a frente, ele estaria chorando se o fosse permitido, porém, seres fantásticos como ele não choravam.
  O cemitério aguardava o corpo do rei, havia uma procissão o trazendo que entoava um canto fúnebre e algumas mulheres jogavam as pétalas das flores usadas na capela. Uma tumba já havia ali, o coveiro já a tinha aberto. Este fora avisado horas antes pelo porteiro real. O coveiro insistiu duas ou três vezes em relembrar juntamente com Madomia os feitos heróicos daquele homem, ela não o escutava a meio de soluços e lamentos. O corpo repousava dentro da tumba, a placa estava pronta e posta. Os letreiros diziam “Eis aqui um rei orgulhoso do povo que teve”. Taiomi sabia bem o quanto o pai cuidava de seu povo, tratava todos com muito respeito e atendia os problemas externos dentro do próprio palácio deixando qualquer um entrar. Felizmente os golfbagonianos eram um povo justo e unido, não haviam muitos problemas de guerras internas ou furtos. Os problemas maiores eram as divisões de terras entre os latifundiários e os industrialistas.
  O coro cerrou-se por fim, todos começaram a cochichar e encarar a princesa mais velha. Ela estava apenas com o rosto molhado, havia cessado o choro, sabia porque todos a olhavam, queriam saber o futuro do trono.
- Irei me casar e assumirei o povo de Golfbagon.
  “Aquilo era um anúncio no cemitério?” Yosho não pode deixar de fazer uma cara de incrédulo ao ouvir aquilo, a princesa realmente não estava bem, havia perdido toda a classe.
- Poupe explicações princesa, terá que fazer este anúncio no terraço onde todos possam te ver. – Yosho a lembrava ainda com uma cara de desaprovação e as sombrancelhas baixas. Ela realmente não fazia idéia dos procedimentos ou estava muito transtornada mesmo. O fato é que era um pouco dos dois. Madomia estava em processo de treinamento e esse transtorno causou um desespero na futura rainha o que levou ao treinamento precoce da irmã futuramente.
  Todos se encaminharam para o palácio, era o cortejo de volta amparando a família composta apenas pelas filhas. Quando os portões se abriram para que elas entrassem, Madomia olhava diferente para cada parede do salão principal, agora era ela dona de tudo e todos ali. Precisava arranjar um noivo em questão de horas, viu a irmã se dirigir aos aposentos, foi-se a ela:
- Irmã, espere. – Taiomi virou-se com um grande “bico” pós enterro – Vou casar-me, preciso de sua aprovação no noivo. Ajude-me a escolher um homem bom como meu pai.
- Terá que abrir uma convocação, será mais fácil se você listar algumas qualidades que queira.
- Um homem honesto, trabalhador, amoroso, confiável,...
- Seria mais fácil mudar as regras e não se casar do que achar um homem tão perfeito. – Falou debochadamente com um sorriso irônico no rosto.
- Você é tão inteligente, como não pensei nisso antes?
  Taiomi fazia cara de dúvida e recapitulava as palavras ditas, onde teria sido inteligente? Ah sim, mudar as regras. Realmente ela podia fazer isso agora, ela tinha o direito afinal. Mas como não havia pensado nisso antes...

pg. 2

- O dia chegou? – Perguntava com tom incrédulo observando que não havia iluminação no quarto.
- Não, ainda é muito tarde.
- Então, é algo sério.
- Sim, eu posso me aproximar?
Ela fez que sim com a cabeça e um gesto com a mão mostrando-lhe onde sentar. Apenas era possível enxergar-lhe o vulto na escuridão.
- O rei não passou bem esta noite, você sabe como aquele tumor prejudicou sua saúde.
- O que aconteceu? – Ela começava a falar num tom de voz desafinado e frágil.
- Ele já não está mais sobre nós.- Pousou-lhe a mão no ombro da menina. Esta ficou imóvel um momento, deixou sua cabeça pender pra trás na cabeceira da cama. Respirou fundo procurando se controlar. Era incrível como conseguia controlar seus impulsos e sentimentos tão jovem. Ainda muda, Yosho prosseguiu:
- O corpo está na capela, vamos enterrá-lo amanhã cedo. Madomia não quis o velório exposto.
- Entendo. - Moveu a cabeça para frente até ficar baixa, Yosho atreveu-se a correr os dedos perto de seus olhos procurando secar alguma lágrima. Encontrou um rosto pouco úmido.
- Quer ficar sozinha? – O guarda não sabia mais o que fazer.
- Não, onde está Madomia?
- No quarto de seu pai, estava muito transtornada quando a deixei.
- Vamos lá busca-la.
Ambos se levantaram e caminharam em direção a porta, foi apenas o gesto de abri-la para sentir aquele clima pesado no ar dizendo que algo muito penoso havia acontecido, seriam dias de rostos tristes.
  As escadas que levavam á torre do dormitório real eram largas onde era possível que os dois subissem lado a lado, as velas nas paredes pareciam saber o que estava acontecendo porque estavam com o fogo baixo. Chegaram ao quarto, a porta estava aberta e Madomia encontrava-se na mesma posição.
- Irmã. – Chamou Taiomi querendo que ela levanta-se o rosto.
- Ele se foi... – Lamentava ainda chorando sem levantar o rosto ou mexer qualquer músculo do corpo.
- Vamos, saia deste chão frio, precisa se recompor. – Taiomi aproximou-se agarrando em seus braços e puxando-a pra cima. Estando em pé Madomia encarou a irmã procurando um consolo e ao mesmo tempo se perguntando como não estava chorando. Seria demasiadamente jovem para não entender o ocorrido? O guarda havia realmente deixado claro que o rei estava morto?
- Por que você não está... – Fora interrompida pela resposta:
- Porque você precisa mais de mim do que eu de você.
- Não entendo você Taiomi.
- Além de sofrer pela morte de nosso pai, amanhã mesmo você será obrigada a se casar com alguém e assumir o trono de Golfbagon.
 Yosho suspirou e fez uma cara de desaprovação nas palavras de Taiomi, não era hora de tocar num assunto desses. Madomia se viu perdida, não havia em mente nenhum pretendente, arregalou os olhos negros e amendoados e cobriu a boca entreaberta. Não havia pensado nisso. Taiomi se aproximou e deu um forte abraço na irmã mesmo não esperando que ela fosse retribuir, era transtorno demais para uma pessoa.
- Vamos descer. Temos que velar o corpo agora. – Ela chamava a irmã com uma voz bem mais suave e terna. Deixava escapar algumas lágrimas naquele momento e sua boca estava mais seca que alguns minutos atrás. Desceram os três á capela.
  A capela estava muito arrumada e perfumada pelos incensos acesos. Os súditos estavam ajoelhados no chão próximo a redoma, alguns soluçavam e traziam lenços que cobriam os olhos e os narizes. Essa visão bastou para que Madomia soltasse um urro de lamentação que ecoou pelos corredores próximos a capela. Taiomi segurou a mão do guarda com força. Ele evitou encara-la para não intimida-la. Yosho avançou de mãos dadas em direção ao falecido, talvez a princesa não tivesse coragem de se aproximar sozinha. De fato ela não tinha. Ambos ficaram calados olhando o corpo.
- Esqueceram a coroa. – Era o jeito que encontrava para extravasar a angústia, reclamando.
- Não – Yosho respondeu um pouco triste – ela será usada amanhã.
  Não era preciso explicar. Taiomi mexeu a boca engolindo seco. Por um momento ela mesma havia se esquecido do que acabara de dizer pra sua irmã tal era seu transtorno mental.

Capítulo 1

Era tarde quando o rei de Golfbagon resolveu dormir, sua canseira era imensa e seus tornozelos pareciam mais fracos que o normal. Uma pausa diante da janela, era lindo o céu arroxeado da noite daquele lugar, as estrelas eram coloridas e da torre do dormitório era possível ver a fonte do jardim. Ah, a fonte... Nunca o rei ficara tão orgulhoso como no dia em que sua fonte recebeu o prêmio de melhor monumento arquitetônico cedido pelos planetas vizinhos, nem mesmo vencer batalhas o deixava tão orgulhoso como esta fonte. Uma ultima olhada pela janela e então deitou-se em sua cama e dormiu. Dormia solitário em seu quarto. Jaspe, sua mulher, havia morrido a 3 anos durante uma batalha contra o planeta vizinho, Plesbitus. O problema deste planeta era justamente a rainha de Golfbagon, que era plesbitiana e se casou com um golfbagoniano. Plesbitus é composto por uma população guerreira que tem como costume não misturar seus sangues para sempre garantirem os melhores guerreiros e, diga-se de passagem, desse modo garantiam também as mulheres mais belas com seus olhos negros e amendoados. É impossível não se deixar encarar pelos olhos dessas moças.
  - Pai? – Madomia insistia em bater na porta e chamar num tom de licença antes de entrar no quarto aquela hora da noite. Não ouvia resposta de seu pai, certamente estava dormindo. Ela entra e encontra a cortina da janela aberta, era certo que seu pai estava admirando sua tão famosa fonte, ela sorriu um tanto inconformada. Aproximou-se para examinar-lhe a ferida na coxa, ainda estava fétida e vazava. Foi na cômoda pegar mais curativos e então com muito cuidado para não acorda-lo, limpou a ferida e cobriu-a. Seu pai sofria de um tumor que não havia cura em seu mundo. Nem havia nome. Pousou-lhe a mão sobre o rosto para fazer-lhe uma carícia, espantou-se ao notar como estava gelado. Novamente recorreu á cômoda e pegou um cobertor, cobriu-o. Pousou-lhe os lábio para dar um beijo na testa, fez uma pausa sentada diante do rei.
- Papai? – Insistiu chamado-o com a impressão de que estava havendo algo de errado ali. Sacudiu-lhe os ombros. Não havia reação.
- Yosho!!! – Gritou desesperada pelo guarda que apareceu tão desesperado quanto ela. Não foi preciso dizer nada, é claro que não havia nada de errado com a princesa e sim com o rei. A princesa deu espaço para o guarda verificar o corpo.
- Madomia eu... – Mal começava a dizer as palavras com os dedos no pescoço do rei á procura de alguma pulsação.
- NÃO! – Novamente ela tornou a sacudir o homem deitado em meio aos cobertores, retirou-os como se procurasse o problema ali mesmo e pudesse retira-lo.
- Princesa, não faça isso, saia de cima de seu pai.
- NÃO! ELE NÃO PODE! – Desmoronou em lágrimas finalmente, o rei já não vivia mais, não havia nada que pudesse ser feito a não ser providenciar um funeral digno de rei. Ela sentou-se no chão ao lado da cama, seu rosto vermelho e molhado, encolheu-se e passou a apoiar a cabeça nos joelhos. Falou baixinho:
- Mande tira-lo daqui. Levem o corpo para a capela do palácio. Se o conheci bem, ele não gostaria que um momento tão frágil de sua vida fosse exposta a cidade.
 Yosho não chamou ninguém, apenas carregou o corpo para a capela. Infelizmente seria ele quem iria ter de avisar a segunda princesa que seu pai estava morto. Iria ser uma longa e penosa noite, igual como foi a de Jaspe.
  O corpo estava posto sobre o altar. As velas estavam acesas, as flores já estavam lá, foi só arruma-las em volta do corpo. Uma redoma de cristal que era usada para estas ocasiões foi posta, os súditos estavam ajeitando tudo enquanto a difícil e árdua tarefa do guarda era efetuada. Um batido constrangedor na porta foi ouvido pela segunda princesa.
- Uh... – Revirava-se na cama. Acordou e esperou uma segunda batida para confirmar o que havia ouvido. Repetiu-se seguida da voz de Yosho chamando-a.
- Entre. – Ela respondeu sentando-se na cama. Nem se deu ao trabalho de acender as luzes.
- Princesa, precisamos conversar. – Yosho entrou no quarto e fechou a porta esperando que as luzes fossem acesas. Não foram. Incomodado com isso esperou próximo á porta até que ela respondesse de alguma forma.